domingo, 22 de julho de 2012

MEU PAI...


Há tempos tenho buscado forças para escrever sobre o meu pai, pois não queria nada melancólico, nada com dor e sim algo que pudesse traduzir emoção, saudade, amor e acima de tudo agradecimento a ele.
            Falar dele como vivo, que é em meu coração e na Pátria espiritual, pois aprendi que somos seres espirituais passando por uma experiência terrena e não o contrário, portanto ele voltou para casa, porque mereceu, porque cumpriu com maestria sua missão.
            Queria falar dele com alegria , respeito e admiração. Sempre me lembro de momentos felizes e tenho arraigados em mim seus exemplos de dignidade, respeito e honradez.
            Um homem simples, vindo de uma família simples! Pai sapateiro e mãe dona de casa. Perdeu seu pai aos 26 anos e jamais esqueceu os exemplos desse amado e querido pai e todas as vezes que ouvia a música de Nelson Gonçalves que falava sobre um lugar a mesa vazio o fazia chorar. Herdou desse pai uma pequena fábrica de sapatos e durante 20 anos fez dela seu sustento e de sua família, pois casou-se cedo com minha mãe, sua primeira namorada ,com quem ficou por 54 anos
            Abnegado, lutador, guerreiro tinha o sonho de ser advogado e fez sua faculdade já casado, pai de família e trabalhando na pequena fábrica. Quando formou-se advogado reuniu eu e minha mãe e disse: “Vamos passar por momentos difíceis, mas agora vamos viver da minha advocacia” e nós, as mulheres da casa, assinamos embaixo e apoiamos em todos os aspectos aquele sonho, aquela luta.
            Desbravador, precursor , não demorou a ser reconhecido por seu talento, por sua fluência e conhecimento jurídico, digno daqueles que estudam por madrugadas a fio. Pautou seu trabalho, seu ofício, sua paixão, pela retidão de caráter, dignidade e luta pela justiça e pelo direito. E foi como tribuno onde viu surgir o reconhecimento que buscava! Protagonizou júris inesquecíveis nos tribunais do rio de Janeiro onde , além do conhecimento jurídico, utilizava sua veia artística, “prendendo” a assistência e o corpo do júri com sua fala ininterrupta e sempre acalorada. Respeitado por seus adversários, Magistrados e  membros do Ministério Público.
            Iniciou na política da Ordem dos Advogados do Brasil e todas as vezes em que foi eleito (30 anos) disse: “Fui eleito para servir e não para ser servido”. Coisa rara nos dias de hoje , pois as pessoas tem uma cultura “umbilical”, onde somente seus umbigos são importantes . Mário Sérgio Cortella , filósofo contemporâneo, diz que: “Um poder que não serve para servir é um poder que não serve”. Meu pai pensava exatamente assim.
            Líder carismático, sabia perfeitamente que enfrentaria grandes oposições porém jamais utilizou-se de meios escusos para obter suas vitórias, contava sim com amigos fidelíssimos e com sua conduta a depor em favor de si. Ensinou-me que o melhor conselho é o exemplo e que o melhor travesseiro é a consciência tranqüila.
            Homem de uma FÉ inabalável e de uma capacidade de perdão que ainda não conheci outra pessoa igual. Muitas vezes, após ter sido traído, nós o questionávamos o porquê de continuar acreditando nas pessoas e , ainda, conseguir ajudar aquele que o traiu e meu pai me olhando nos olhos dizia: “Porque eu não julgo ninguém , cada um dá o que tem! Se eu acredito em DEUS e Ele não julga quem sou eu para julgar?!” E sempre argumentava com uma atenuante para o ofensor. Confesso que preciso evoluir mais! Não conseguia entender e me sentia mal de não entender, de não conseguir mais me relacionar com o coração aberto com tal pessoa!
            Em 2001 foi despertada uma outra paixão: A docência! Aos 61 anos tornou-se Mestre em Direito elaborando seu trabalho sobre o Tribunal do Júri e sendo aprovado com louvor pela banca. A partir daí, encantou-se pela docência e dedicava aos queridos alunos grande parte do seu dia.
            Disse a ele , certa vez, que deveria dedicar-se integralmente a ministrar aulas pois ali o carinho e o reconhecimento são reais, são marcantes, fazem a diferença. Ali , junto aos alunos, é que deveria estar, pois com eles havia a possibilidade de incutir nos novos profissionais dignidade, respeito, ÉTICA. Ali, na base, na formação, é que seria imprescindível seus exemplos e mais aproveitados na prática!
            Sempre tive a real noção que somos insubstituíveis somente para aqueles que amamos e os que nos amam e nunca tive a ilusão , nem o desejo de reconhecimento externo, porém  de validação todos gostam e a melhor validação é perceber a tua obra. Mesmo os que não gostam de ti, se rendem frente a tua obra. As pessoas esquecem rapidamente o bem  que recebem porém se algum suposto mal lhes é feito tem caráter eterno.
            Meu aprendizado com ele foi abençoado .Quando recebeu a medalha Pedro Ernesto na câmara dos deputados pelos serviços prestados a advocacia fluminense, fui designada de surpresa para falar pra ele e por ele. Eu, a filha do tribuno brilhante, como? Foi mais fácil do que eu pensava, eu tinha muito a falar, falaria por horas somente verdades, e algo que falei jamais esqueci, disse eu: “ Se nada na minha vida der certo, se nada eu tivesse a agradecer ainda assim  teria algo inquestionável a agradecer à DEUS: Ter tido a oportunidade de ter pais como eu tenho. Meu pai, meu exemplo, meu ídolo, meu pilar de sustentação moral e minha mãe, minha amiga, minha companheira meu exemplo de dignidade e honradez” E esse agradecimento é hoje mais forte do que nunca!
            A relação com o poder é muito louca. Aprendi que quando se está em algum lugar de destaque social, seja ele qual for, surgem “ do nada” amigos de infância, admiradores, parceiros e basta um pequeno tropeço para que sumam e voltem para o nada de onde vieram. Isso é natural , cada um dá o que tem, dizia meu pai! Sabia exatamente quem eram os amigos da “ cadeira” e os amigos do coração e eu aprendia extasiada aquela maneira firme e serena de se relacionar com ambos. E que “cadeira” ilusória...
            Certa vez perguntei a ele como era lidar com tantas pessoas diferentes e com tantos sentimentos diametralmente opostos tipo amor e ódio, se ele não se incomodava com tantos olhares não muito bons para ele, como lidava com essa energia e ele disse: “ O mal que te desejam é igual a um presente, se você não aceita o presente com quem fica? E mais uma vez disse: cada um dá o que tem!”
            Poucos conheceram o Roberto animado, leve, com o pano de pratos sobre os ombros “queimando uma carne” no quintal do nosso palácio! Que gargalhada gostosa, que dancinhas exóticas “ Se via como o rei do ritmo”, bebericando sua cerveja e falando do seu amado Fluminense!
            Nos jantares dançantes da OAB se preocupava com todos, para que todos ficassem e fossem felizes e sempre disse que “ não há festa sem convidados” e ele também ficava feliz em ver o ambiente lotado de sorrisos e naquele momento pouco importava se fossem verdadeiros ou não! Importava o congraçamento, a união, a festa e nesses momentos sempre agradecia à DEUS a oportunidade de estarem juntos e quando chegava à casa, agradecia rezando seu terço coisa que fazia todos os dias de sua vida!
            Quando alguém como ele adoece, deixa triste e meio cinza tudo ao redor. Falta uma luz, falta o sorriso, falta a implicância, falta algo no ar. Quando não briga causa estranheza, e a gente se pergunta até se papai do céu não errou . Sim, a gente questiona tudo! Mas ele é guerreiro, ele luta , ele vence todas, ele não perde, não perdeu e não perderá nenhuma batalha, não ele, não o advogado abençoado!
            E hoje, vejo, ele continuou sem perder! Tudo que se propôs na vida a fazer ele fez e fez com dignidade, com FÉ, com alegria, com abnegação e com brilhantismo! Seria seu retorno à casa do PAI uma derrota? Não, absolutamente não, é o destino de todos, a única certeza nessa passagem terrena e ele, certamente, estará trabalhando firmemente para o bem no plano espiritual .
            Quando do sepultamento do meu pai pedi que ninguém fizesse uso da palavra, pois naquele momento a dor era minha, particular, intransferível pois disse eu que poderia haver ex-amigo, ex-professor, ex-presidente, ex- colega, ex-adversário, mas não há, e nunca haverá ex-PAI. Sei que corri o risco de ser injusta com muitos amigos que ele fez durante a vida e sei que são muitos, imensamente maiores do que os supostos desafetos, porém preferi correr esse risco do que arriscar-me a ouvir palavras que não me soassem verdadeiras,  sei que os verdadeiros amigos compreenderam e apoiaram a minha solicitação e por esse motivo agradeço. E depois meu pai foi homenageado pelo presidente da seccional do Rio de Janeiro , representando a instituição que ele, por 30 anos, defendeu.
            Aqueles que tiveram o privilégio de conviver com o meu pai desejo que possam ter usufruído de seus exemplos de dignidade e honradez sejam eles alunos, amigos , colegas de profissão, companheiros de batalha.
            Feliz estou de receber o abraço e o carinho de tanta gente , pessoas que ele ajudou, pessoas que ele orientou e vejo que realmente cumpriu sua missão e fez a diferença sua passagem pela Terra e até mesmo aos que não tinham por ele afeto eu agradeço e vou parafrasear meu pai: “ Cada um dá o que tem”.
            Hoje, agora, agradeço à DEUS a oportunidade de ter tido como pai , amigo, parceiro o ROBERTO LUIZ PEREIRA para SEMPRE vivo em meu coração. Te amo, pai!