Há tempos tenho buscado
forças para escrever sobre o meu pai, pois não queria nada melancólico, nada
com dor e sim algo que pudesse traduzir emoção, saudade, amor e acima de tudo
agradecimento a ele.
Falar dele como vivo, que é em meu coração e na Pátria
espiritual, pois aprendi que somos seres espirituais passando por uma
experiência terrena e não o contrário, portanto ele voltou para casa, porque
mereceu, porque cumpriu com maestria sua missão.
Queria falar dele com alegria , respeito e admiração.
Sempre me lembro de momentos felizes e tenho arraigados em mim seus exemplos de
dignidade, respeito e honradez.
Um homem simples, vindo de uma família simples! Pai
sapateiro e mãe dona de casa. Perdeu seu pai aos 26 anos e jamais esqueceu os
exemplos desse amado e querido pai e todas as vezes que ouvia a música de
Nelson Gonçalves que falava sobre um lugar a mesa vazio o fazia chorar. Herdou
desse pai uma pequena fábrica de sapatos e durante 20 anos fez dela seu
sustento e de sua família, pois casou-se cedo com minha mãe, sua primeira
namorada ,com quem ficou por 54 anos
Abnegado, lutador, guerreiro tinha o sonho de ser
advogado e fez sua faculdade já casado, pai de família e trabalhando na pequena
fábrica. Quando formou-se advogado reuniu eu e minha mãe e disse: “Vamos passar
por momentos difíceis, mas agora vamos viver da minha advocacia” e nós, as
mulheres da casa, assinamos embaixo e apoiamos em todos os aspectos aquele
sonho, aquela luta.
Desbravador, precursor , não demorou a ser reconhecido
por seu talento, por sua fluência e conhecimento jurídico, digno daqueles que
estudam por madrugadas a fio. Pautou seu trabalho, seu ofício, sua paixão, pela
retidão de caráter, dignidade e luta pela justiça e pelo direito. E foi como
tribuno onde viu surgir o reconhecimento que buscava! Protagonizou júris
inesquecíveis nos tribunais do rio de Janeiro onde , além do conhecimento
jurídico, utilizava sua veia artística, “prendendo” a assistência e o corpo do
júri com sua fala ininterrupta e sempre acalorada. Respeitado por seus
adversários, Magistrados e membros do
Ministério Público.
Iniciou na política da Ordem dos Advogados do Brasil e
todas as vezes em que foi eleito (30 anos) disse: “Fui eleito para servir e não
para ser servido”. Coisa rara nos dias de hoje , pois as pessoas tem uma
cultura “umbilical”, onde somente seus umbigos são importantes . Mário Sérgio
Cortella , filósofo contemporâneo, diz que: “Um poder que não serve para servir
é um poder que não serve”. Meu pai pensava exatamente assim.
Líder carismático, sabia perfeitamente que enfrentaria
grandes oposições porém jamais utilizou-se de meios escusos para obter suas
vitórias, contava sim com amigos fidelíssimos e com sua conduta a depor em
favor de si. Ensinou-me que o melhor conselho é o exemplo e que o melhor
travesseiro é a consciência tranqüila.
Homem de uma FÉ inabalável e de uma capacidade de perdão
que ainda não conheci outra pessoa igual. Muitas vezes, após ter sido traído,
nós o questionávamos o porquê de continuar acreditando nas pessoas e , ainda,
conseguir ajudar aquele que o traiu e meu pai me olhando nos olhos dizia:
“Porque eu não julgo ninguém , cada um dá o que tem! Se eu acredito em DEUS e
Ele não julga quem sou eu para julgar?!” E sempre argumentava com uma atenuante
para o ofensor. Confesso que preciso evoluir mais! Não conseguia entender e me
sentia mal de não entender, de não conseguir mais me relacionar com o coração
aberto com tal pessoa!
Em 2001 foi despertada uma outra paixão: A docência! Aos
61 anos tornou-se Mestre em Direito elaborando seu trabalho sobre o Tribunal do
Júri e sendo aprovado com louvor pela banca. A partir daí, encantou-se pela
docência e dedicava aos queridos alunos grande parte do seu dia.
Disse a ele , certa vez, que deveria dedicar-se
integralmente a ministrar aulas pois ali o carinho e o reconhecimento são
reais, são marcantes, fazem a diferença. Ali , junto aos alunos, é que deveria
estar, pois com eles havia a possibilidade de incutir nos novos profissionais
dignidade, respeito, ÉTICA. Ali, na base, na formação, é que seria
imprescindível seus exemplos e mais aproveitados na prática!
Sempre tive a real noção que somos insubstituíveis
somente para aqueles que amamos e os que nos amam e nunca tive a ilusão , nem o
desejo de reconhecimento externo, porém de validação todos gostam e a melhor validação
é perceber a tua obra. Mesmo os que não gostam de ti, se rendem frente a tua
obra. As pessoas esquecem rapidamente o bem
que recebem porém se algum suposto mal lhes é feito tem caráter eterno.
Meu aprendizado com ele foi abençoado .Quando recebeu a
medalha Pedro Ernesto na câmara dos deputados pelos serviços prestados a
advocacia fluminense, fui designada de surpresa para falar pra ele e por ele.
Eu, a filha do tribuno brilhante, como? Foi mais fácil do que eu pensava, eu
tinha muito a falar, falaria por horas somente verdades, e algo que falei
jamais esqueci, disse eu: “ Se nada na minha vida der certo, se nada eu tivesse
a agradecer ainda assim teria algo inquestionável
a agradecer à DEUS: Ter tido a oportunidade de ter pais como eu tenho. Meu pai,
meu exemplo, meu ídolo, meu pilar de sustentação moral e minha mãe, minha
amiga, minha companheira meu exemplo de dignidade e honradez” E esse
agradecimento é hoje mais forte do que nunca!
A relação com o poder é muito louca. Aprendi que quando
se está em algum lugar de destaque social, seja ele qual for, surgem “ do nada”
amigos de infância, admiradores, parceiros e basta um pequeno tropeço para que
sumam e voltem para o nada de onde vieram. Isso é natural , cada um dá o que
tem, dizia meu pai! Sabia exatamente quem eram os amigos da “ cadeira” e os
amigos do coração e eu aprendia extasiada aquela maneira firme e serena de se
relacionar com ambos. E que “cadeira” ilusória...
Certa vez perguntei a ele como era lidar com tantas
pessoas diferentes e com tantos sentimentos diametralmente opostos tipo amor e
ódio, se ele não se incomodava com tantos olhares não muito bons para ele, como
lidava com essa energia e ele disse: “ O mal que te desejam é igual a um
presente, se você não aceita o presente com quem fica? E mais uma vez disse:
cada um dá o que tem!”
Poucos conheceram o Roberto animado, leve, com o pano de
pratos sobre os ombros “queimando uma carne” no quintal do nosso palácio! Que
gargalhada gostosa, que dancinhas exóticas “ Se via como o rei do ritmo”,
bebericando sua cerveja e falando do seu amado Fluminense!
Nos jantares dançantes da OAB se preocupava com todos,
para que todos ficassem e fossem felizes e sempre disse que “ não há festa sem
convidados” e ele também ficava feliz em ver o ambiente lotado de sorrisos e
naquele momento pouco importava se fossem verdadeiros ou não! Importava o
congraçamento, a união, a festa e nesses momentos sempre agradecia à DEUS a
oportunidade de estarem juntos e quando chegava à casa, agradecia rezando seu
terço coisa que fazia todos os dias de sua vida!
Quando alguém como ele adoece, deixa triste e meio cinza
tudo ao redor. Falta uma luz, falta o sorriso, falta a implicância, falta algo
no ar. Quando não briga causa estranheza, e a gente se pergunta até se papai do
céu não errou . Sim, a gente questiona tudo! Mas ele é guerreiro, ele luta ,
ele vence todas, ele não perde, não perdeu e não perderá nenhuma batalha, não
ele, não o advogado abençoado!
E hoje, vejo, ele continuou sem perder! Tudo que se propôs
na vida a fazer ele fez e fez com dignidade, com FÉ, com alegria, com abnegação
e com brilhantismo! Seria seu retorno à casa do PAI uma derrota? Não,
absolutamente não, é o destino de todos, a única certeza nessa passagem terrena
e ele, certamente, estará trabalhando firmemente para o bem no plano espiritual
.
Quando do sepultamento do meu pai pedi que ninguém
fizesse uso da palavra, pois naquele momento a dor era minha, particular,
intransferível pois disse eu que poderia haver ex-amigo, ex-professor,
ex-presidente, ex- colega, ex-adversário, mas não há, e nunca haverá ex-PAI.
Sei que corri o risco de ser injusta com muitos amigos que ele fez durante a vida
e sei que são muitos, imensamente maiores do que os supostos desafetos, porém
preferi correr esse risco do que arriscar-me a ouvir palavras que não me soassem
verdadeiras, sei que os verdadeiros
amigos compreenderam e apoiaram a minha solicitação e por esse motivo agradeço.
E depois meu pai foi homenageado pelo presidente da seccional do Rio de Janeiro
, representando a instituição que ele, por 30 anos, defendeu.
Aqueles que tiveram o privilégio de conviver com o meu
pai desejo que possam ter usufruído de seus exemplos de dignidade e honradez
sejam eles alunos, amigos , colegas de profissão, companheiros de batalha.
Feliz estou de receber o abraço e o carinho de tanta
gente , pessoas que ele ajudou, pessoas que ele orientou e vejo que realmente
cumpriu sua missão e fez a diferença sua passagem pela Terra e até mesmo aos
que não tinham por ele afeto eu agradeço e vou parafrasear meu pai: “ Cada um
dá o que tem”.
Hoje, agora, agradeço à DEUS a oportunidade de ter tido
como pai , amigo, parceiro o ROBERTO LUIZ PEREIRA para SEMPRE vivo em meu
coração. Te amo, pai!
5 comentários:
Eu poderia escrever: "Que depoimento lindo, bem escrito, perfeito!" Mas isso soaria tão clichê...! Não, não foi um depoimento, mas uma declaração de amor e o reconhecimento do homem íntegro que foi (e por que não dizer, É)o seu pai. Não o conheci, mas posso imaginar o Sr. Roberto Pereira com base na sua filha, uma pessoa iluminada que aprendi a admirar e a gostar lá atrás, em 2001. Perdoe-me se eu estiver enganado, mas conhecer a Mônica é, de certa forma, conhecer o Sr. Roberto. Ele continua vivo, sim. Apenas "livrou-se" da roupa terrena. Caminho certo de todos nós. Um beijo grande no seu coração.
Muito emocionante! amo muito você! tio Roberto esta aqui conosco, ever!
bjs no coração Rafa
Sem palavras...o maior legado do seu pai foi ter "dado o que tinha"...haja visto a família maravilhosa que ele (e a sua mãe) construiram..a filha que eles criaram...o que conta é isso..ele "deu o que tinha" e o que ele tinha era o MELHOR! Vcs duas são maravilhosas..a saudade continua, a dor vai diminuir, mas o caráter e o que vcs construiram nunca ruirá! Um beijo no coração de vcs duas! Paloma
Linda e emocionante declaração de amor...
Impossível conter a emoção diante de uma homenagem tão linda, digna do homem que foi seu herói.
Se antes eu já o admirava pela sua dignidade e honradez, agora que soube um pouquinho da sua história, admiro-o e respeito ainda mais.
Espero que a tristeza da separação não seja maior do que a alegria de tudo que vocês (família) viveram juntos...
Beijo no coração!
Emocionante! Os pais são estrelinhas que
Irão brilhar eternamente. Parabéns por tanto amor transmitido nesses escritos .
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